quarta-feira, 27 de abril de 2016

O Tempo

Metamorfoses de Ovídeo





 "Não há coisa alguma que persista em todo universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. O próprio tempo passa com um movimento contínuo como um rio... O que foi antes já  não é, o que não tinha sido é, todo instante é uma coisa nova. Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite... Não vês as estações do ano se sucederem, imitando as idades da nossa vida? 
 Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova... A planta nova, pouco vigorosa rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor. Tudo floresce. O fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente. Chega por sua vez o outono: passou o fervor da mocidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas embranquecem. Vem depois o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve no caminho. Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso.... E também a natureza não descansa e, renovadora outras formas nas forma das coisas.  Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados... Todos os seres têm sua origem noutros seres. Existe uma ave a que os fenícios dão o nome de fênix. Não se alimenta de grão ou erva, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia. Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada. Ali se acomoda e termina a vida entre perfumes. De suas cinzas, renasce uma pequena fênix, que viverá outros cinco séculos... Assim também é a Natureza e tudo o que nela existe e persiste".



O Puro Devir e a percepção de cada um:

  O relato de Ovídeo lembra o pensamento de Heráclito de Efésio considerado o filósofo do puro Devir ou seja, tanto a vida e o tempo estão sempre em processo de mudanças e transformações. Não seremos os mesmos que somos hoje no amanhã, da mesma forma que não somos mais o que fomos no passado. Tudo sempre muda com o tempo,"tudo flui e nada permanece, tudo dá forma e nada permanece fixo". "Nada será com antes" diz a canção tão bem interpretada pela saudosa Elis Regina. Estas ideias tornam clara quando a noção de tempo é cicla e não linear.
 Os antigos gregos usavam duas palavras para designar o "tempo": Cronos se referia ao tempo sequencial, cronológico e linear aquele que pode ser medido. Kairos conhecido pelos pitagóricos de "oportunidade". É popularmente chamado de "tempo de Deus" e se relaciona ao momento indeterminado do tempo que alguma coisa muito especial acontece. 
"... E o tempo? Ele é minha percepção interna. Só posso conceber a existência de um 'eu' estando em relação a um passado e a um futuro. Só concebemos as coisas no tempo e em um antes, um agora e um depois". Para o filósofo Immanuel Kant o tempo estava relacionado à percepção interna de um objeto ou coisa, enquanto o espaço referia-se a percepção exterior de um objeto ou coisa.
 
"Transitoriedade é uma nova temporalidade da nossa vida cotidiana". 
Alvin Totter

"Na verdade, no presente, o indivíduo vive já o futuro, que está no presente  nas suas ações e comportamentos - isto é utopias".

"... Ao contrário do que diz Freud, não está no passado o único elemento entendido do comportamento humano, mas no presente vivido".
Ernest Bloch / Filósofo 

Oração ao Tempo:

 "És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo...
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos 
Tempo tempo tempo
Entro em acordo contigo
Tempo tempo tempo...
Por seres tão inventivo 
E pareceres contínuo 
Tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindo
Tempo tempo tempo...
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo...
Ainda assim acredito
Ser possível  reunirmo-nos
Tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo 
Tempo tempo tempo...

 Letra de Caetano Veloso